De mulher de traficante à diarista: veja a história de Marta
Quem acaba de conhecer Marta nem imagina as situações trágicas que já passou em sua vida, mas observa uma mulher tímida e que se emociona facilmente. É provável que esse seja o reflexo daquilo que lhe foi proporcionado: uma experiência dura, cheia de obstáculos, mas que, de alguma forma, se tornou uma motivação para que conseguisse seguir em frente.
Diarista há pouco mais de 20 anos, Marta mora na Cruzada São Sebastião desde que precisou deixar a casa de seus pais à força. Antiga residente da comunidade Santa Marta, ela afirma que o tráfico de drogas tomava conta das redondezas naquela época e foi o motivo pelo qual seus pais optaram por expulsá-la. A relação que tinha com o movimento era mesmo de se preocupar. Quando tinha 18 anos, ela começou a namorar um dos traficantes da região e quase se envolveu com o trabalho sujo. “Não era nenhum cabeça, mas o perigo existia só de estar envolvido”, conta Marta sobre o ex-namorado que foi encontrado sem vida após um combate com a polícia.
Já na casa de uma prima na mesma favela que vive hoje, Marta precisou se virar para conseguir se manter e conquistar um cantinho próprio, e, quando perguntada sobre a fase mais difícil que já vivera, ela nem pestaneja ao contar sobre o seu passado nem um pouco agradável. De revirar o estômago, a história começa com um abuso sexual sofrido de um antigo patrão nos tempos em que se introduziu no mercado de trabalho como babá. Se aproveitando do corpo da empregada, o homem que era pai de dois filhos teve a traição descoberta pela mulher, que optou por demitir a funcionária sem entender que tudo acontecia por obrigação de seu marido.
Sem conseguir arrumar trabalho, Marta se viu obrigada a entrar para a prostituição através de uma indicação de seu antigo patrão. Durante poucos anos nesse universo, ela conta sobre as mais diversas experiências vividas, que vai de preconceito e abusos, até romantismo e amores. “Teve cliente que até chegou a me apresentar como futura esposa para a família, mas tudo acabou quando descobriram minha profissão”, revela. A maioria das histórias teve como cenário o Passeio Público que, segundo ela, era o principal local de prostituição da época no Rio de Janeiro. Mesmo com tantas memórias negativas, Marta afirma que não tem o menor ressentimento e arrependimento, pois a profissão foi responsável pela existência de seus dois filhos mais velhos.
Marcely, de 30, e Filipe, de 27, são frutos de relações sexuais feitas com clientes e, apesar de a filha achar o contrário, Marta jura por todos os santos que não sabe quem são os verdadeiros pais, apenas suspeita. “Eu costumava me encontrar com três homens por dia e, nesse tempo, não se usava camisinha”, justifica. Mãe nova e solteira, ela conseguiu se estruturar mantendo a prostituição como principal emprego, mas, quando teve o segundo filho, foi obrigada a deixar a profissão para conseguir sustentá-los. Mesmo com todas as dificuldades, ela nunca deixou de ser um bom exemplo em casa e sempre se esforçou para dar uma vida melhor aos seus filhos. Muito disso reflete no que eles se tornaram e na vida que os dois conquistaram: ela é gerente de loja e ele, técnico de computador.
Depois de ter sido garçonete e ambulante, se tornou diarista com a ajuda de sua vizinha e, quando menos esperava, conheceu Arnaldo. O encontro se deu em um sambinha que tinha no bar mais perto de sua casa e foi amor à primeira vista. “Ele era alto com black power e tinha um trabalho descente”, comenta. O tom de voz, o olhar e os sorrisos espontâneos comprovam aquilo que Marta falava. Era perceptível o amor que ela sentia por esse homem que, de acordo com ela, chegou para transformar em felicidade toda a tristeza que tinha em seu peito. Com ele, teve seu terceiro filho, que se chama Matias e tem, apenas, 19 anos.
Quando o filho completou 14 anos, foi testemunha de uma cena trágica: estava abrindo a porta de casa quando viu seu pai ser atingido por uma bala perdida no peito. Viúva há quase cinco anos, quando questionada sobre a morte de seu marido, chega a gaguejar, mas só reforça que sua maior motivação de continuar em frente são seus filhos e a esperança de enxergar neles um futuro melhor.
Uma mulher negra de 55 anos que sempre viveu em comunidades e passou pelas mais diversas experiências dolorosas proporcionadas pela vida, se mostrou uma das pessoas mais fortes que já conhecera. A mãe dedicada e trabalhadora é o maior orgulho de seus filhos que, próximo aos dias das mães, afirmam com todas as letras que não poderiam ter uma figura materna melhor.
Por Fernanda Casagrande